Oficiais e registradores contam com a lei 6.015/1973 ao seu lado para analisarem o registro de prenomes inusitados; No final, “Samba” pode finalmente ser registrado
O momento do nascimento de um filho é sempre vivido com muita emoção. Emoção essa que permeia o dia a dia dos pais durante os nove meses de gestação. E durante esse período, as conversas são muitas, a cor do quarto do bebê, os itens e acessórios indispensáveis para a chegada dele, a malinha que vai para a maternidade no dia e claro, o mais importante, a decisão sobre o nome do bebê menino ou menina que vai vir ao mundo.
É mais comum que se imagina que ocorram registros de nomes diferentes em cartório do que aquele acordado entre os pais. Geralmente é o pai quem registra o bebê, já que a mãe, muitas vezes fica impossibilitada de acompanhar o processo, a não ser quando o registro é feito por uma Unidade Interligada na própria maternidade. Presidente da Arpen/RJ, Alessandra Lapoente, explica que já atendeu casos em seu cartório, no 2º RCPN de Santa Cruz, em que o casal retornou ao cartório para retificar o nome do filho que fora registrado pelo pai, com um nome diferente do combinado pelos dois.
“Eu acredito que nessas horas o pai fica nervoso com a situação e acaba registrando o filho com um nome diferente do que ele combinou com a mãe da criança”, afirma. E falando em retificação, a mudança trazida pela lei 14.382/2022 possibilita que seja feita a alteração do prenome do bebê até 15 dias após seu nascimento, o que facilitou bastante para esses casais indecisos ou que passaram por situações como essa descrita pela presidente da Arpen/RJ.
Outra questão que também é bastante comum e que esteve nos holofotes recentemente foi o caso do cantor Seu Jorge, que teve seu pedido de registrar seu filho com o nome “Samba” rejeitado por um cartório de São Paulo. A recusa pelo registro de prenomes que tenham cunho vexatório ou possam gerar constrangimento à pessoa adulta é uma ocorrência prevista em lei.
Após a recusa inicial, o 28º Registro Civil de Pessoas Naturais da Capital de São Paulo realizou o registro de “Samba” mediante a seguinte explicação: “Diante das razões apresentadas, que envolvem a preservação de vínculos africanos e de restauração cultural com suas origens, assim como o estudo de caso que mostrou a existência deste nome em outros países, formei meu convencimento pelo registro do nome escolhido, que foi lavrado no dia de hoje”, explicou a registradora Kátia Possar.
Mas a registradora Kátia Possar explicou que “não havendo um registrado no estado de São Paulo com esse prenome é um dos critérios iniciais para começar uma análise”.
Em 1973, entrou em vigor a lei federal 6.015, que regula o registro de nomes de nascimento e autoriza, no seu artigo 5º, a intervenção do oficial de registro em caso de nomes bizarros e que podem causar constrangimento.
Existem questões a serem avaliadas pelo oficial e registrador no momento do registro, uma delas é o questionamento e até a recusa ao registro de nomes “diferentões”. Caso os pais não se conformem ou concordem com a decisão do oficial, esta será submetida a um juiz competente.
A grafia dos nomes também pode ser um impeditivo por motivos de constrangimento para a pessoa no futuro. Nomes com muitos Ys, Ws, Hs e letras repetidas são pontos de atenção para os pais na hora de escolher o nome do recém-nascido.
Sobre nomes estrangeiros e que não são muitos comuns no Brasil, os pais podem ter que comprovar a existência do nome por meio de enciclopédias, livros ou outras fontes disponíveis para que o registro possa ser realizado. É uma forma de tentar evitar que um ato simples acabe se prolongando e necessitando de parecer judicial.
Claudio Bordallo, presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral da Associação Brasileira de Advogados do Rio de Janeiro (ABA-RJ) e diretor Acadêmico Estadual da Universidade da Associação Brasileira de Advogados (UNIABA) conversou com a Arpen/RJ – Associação de Registradores Civis de Pessoas Naturais do Estado do Rio de Janeiro sobre o tema e listou algumas dicas que devem nortear esse momento do casal.
Para ele, “escolher o nome de um bebê vai muito além de uma mera opção por uma palavra bonita ou de um vocábulo interessante. A escolha do nome de um ser humano, muitas das vezes ainda embrionário, marcará a sua existência pela vida toda. Para começar, que isso é a maior herança deixada por seus pais: o doce afeto dedicado aos filhos. E seguirá ao longo da vida ajudando na formação da personalidade do filho, na construção da sua pessoa e trará reflexos no meio social como um todo, inclusive no seu futuro trabalho”.
Cláudio faz um alerta. “Antes de tudo é preciso rever a formação dos nomes completos, para se distinguir prenome, sobrenome e agnome (se houver), sabedores que o nome completo é um direito de personalidade positivado no artigo 16 do nosso Código Civil. O nome completo é a junção de todos os elementos: prenome, sobrenome e agnome, sendo o prenome um vocábulo que marca a característica principal e personalizada do nome, o sobrenome, o apelido da sua família, e, o agnome, uma marca que diferencia elementos de uma mesma família que possuem o mesmo nome completo (Filho, Júnior, Neto, Primeiro …)”, afirma.
Como exemplo, o advogado cita o caso de um nome aleatório como “João Carlos Moreira Barbosa Filho”, onde “João Carlos” seria o prenome (no caso, composto), “Moreira Barbosa” os sobrenomes das famílias dos genitores, e, o “Filho”, seria o agnome, informando que o cidadão é o filho de “João Carlos Moreira Barbosa”.
Segundo ele, é comum que os problemas surjam “quando os genitores, ou apenas um deles, resolvem “inovar” na homenagem aos filhos, ou quando não se atentam na formação final do nome completo”.
Cláudio decorre sobre a Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos), e seus artigos 50 a 66, “que estabelecem normas e procedimentos para os registros de nascimentos que valem tanto para as partes, mas, sobretudo, para o oficial registrador do cartório do RCPN, que por sua vez tem o dever legal de recusar os registros de nomes que exponham os filhos em situações vexatórias, ridículas e vergonhosas, muitas das vezes por pura desatenção dos pais”.
“Por óbvio, a última instância não é o oficial registrador, que, em caso de recusa, deverá remeter a questão ao juiz de direito vinculado à sua serventia, que irá decidir o caso numa análise mais aprofundada sobre a situação. Ocorreu recentemente com o músico e cantor “Seu Jorge”, que pleiteava registrar o seu filho com o nome de “Samba”, e o caso foi bater nas portas do judiciário”, comenta Cláudio.
“Para se evitar um visível constrangimento, ao público em geral deixo algumas dicas importantes a serem seguidas na hora de se fazer o registro dos nomes de seus filhos” finaliza listando algumas dicas úteis para a população.
Situações possíveis e dicas para realizar o registro de nascimento de forma tranquila:
1) Não é possível a inclusão de sobrenome inexistente na linha ascendente. Exemplo: o pai se chamar “João da Silva”, a mãe “Maria Fonseca da Silva”, e a filha se chamar “Bruna Lombardi”, já que “Lombardi” não se constitui prenome dos genitores, e nem de seus ascendentes.
2) Não há impedimento na inclusão de sobrenomes que não sejam diretamente de seus genitores, mas que estejam na linha de ascendentes, em quaisquer graus ou ordem. No exemplo, considerando que o pai se chama “João da Silva”, a mãe “Maria Fonseca da Silva”, mas a avô materno se chamava “Emiliano Fonseca Lombardi”, poderia caber o nome “Bruna Lombardi”.
3) Evitar a homonímia. No mesmo exemplo, o oficial tem o dever de orientar aos pais, ou àquele que está efetuando o registro, sobre a existência de uma figura pública com este nome. Logo, deve sugerir a inclusão de um prenome composto, ou a inclusão do sobrenome dos pais, ou ambos. Poderia ficar, como exemplo, “Bruna Regina Lombardi”, ou “Bruna da Silva Lombardi”, ou “Bruna Maria da Silva Fonseca Lombardi”, ou “Bruna Lombardi da Silva”, e por aí vai.
Deve o oficial também alertar as partes sobre os nomes completos muito comuns no país, que possam vir a trazer muitas dores de cabeça no futuro, tais como “José da Silva”, “Maria de Lourdes de Oliveira” e assim por diante. Nesse caso, o dever do oficial não é o de impor, mas apenas o de instruir às partes.
4) Tomar cuidado quando o filho leva o sobrenome de apenas um dos genitores. Apesar de não haver impedimento legal quanto a isso, seja qual for o motivo da omissão do sobrenome de um dos genitores, é preciso pensar nas possíveis inconveniências futuras, ou até mesmo em disputas entre famílias.
5) Não cabe nomes iguais para dois filhos diferentes. Por exemplo, o cidadão gosta tanto do nome “Diocleciano”, que resolveu registrar o seu primeiro filho com o nome de “Diocleciano Fiel de Jesus” e o segundo filho com o mesmo nome de “Diocleciano Fiel de Jesus”. Não cabe. Ou, sendo gêmeos, colocou os nomes de “Diocleciano Fiel de Jesus” e “Diocleciano de Jesus Fiel”. Também não cabe e certamente o oficial registrador remeterá o caso ao juiz competente, pois a possibilidade problemas futuros será grande.
6) Não há hierarquia entre sobrenomes dos genitores. Em relação aos sobrenomes, tanto faz o sobrenome do genitor 1 vir na frente, como o do genitor 2 vir na frente. Ou qualquer um deles vir por último. O princípio que rege é o da isonomia entre os genitores.
7) Deve-se evitar prenomes que possam levar ao escárnio. No intuito de homenagearem a si próprios, os pais muitas vezes podem expor os filhos a nomes incomuns, como por exemplo “Claudeliza” (junção de Cláudio e Eliza), ou “Seg” (Sebastião e Glória), que não serão necessariamente obstados pelo oficial, mas que certamente virão a trazer transtornos futuros a quem os recebeu, ou nomes igualmente de homenagens que formem outra palavra esdrúxula, como “Trator” (junções de Trácia e Nestor), que certamente será recusado pelo oficial.
8) Deve-se evitar nomes completos que levem ao escárnio. Há prenomes, sobrenomes e agnomes que, isolados, são perfeitamente cabíveis na formação de nomes completos. Entretanto, a junção deles pode se tornar um desastre. Exemplifico com “Natal do Espírito Santo”, “Maria Privada de Jesus”, “Amado Pinto Primeiro” e por aí vai até onde couber a criatividade das pessoas.
9) Atentar-se ao prazo de oposição ao nome escolhido pelo outro genitor. É preciso ficar atento que o prazo decadencial, pela via extrajudicial, para se opor ao nome escolhido por um dos genitores, é de 15 dias contados do registro, e deverá ser apresentada ao cartório do RCPN onde foi lavrado o registro de nascimento. Após isso, somente pela via judicial.
Fonte: Assessoria de comunicação – Arpen/RJ