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Conjur – Artigo – Formalização posterior do regime de bens em união estável não tem efeitos retroativos

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Em recente decisão (REsp número 1.845.416/MS), o Superior Tribunal de Justiça entendeu que na união estável, a declaração formal que disciplina o regime de bens do casal distinto do regime comum tem efeitos ex nunc.

 

A situação analisada referia-se a um casal que manteve união estável sem formalização da convivência por mais de 30 anos, quando, então, resolveram formalizar a situação por meio de escritura pública na qual declararam a existência da convivência por esse período, sem, contudo, fazer, naquele momento, qualquer menção ao regime de bens eleito.

 

Porém, passados dois anos desse evento — e meses antes do falecimento da companheira — foi lavrada outra escritura pública, indicando que o regime de bens daquela união estável, desde seu início, era o da separação total, o que veio a ser impugnado após a morte da mulher por suas filhas.

 

Nesse contexto, a controvérsia pautou-se na possibilidade de retroatividade do regime da separação total de bens para todos os anos de convivência do casal ou de sua validade a partir da lavratura da escritura na qual se indicou a eleição desse regime de bens.

 

A decisão teve como base o artigo 1.725 do Código de Processo Civil que estipula que “na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. Ou seja, se não houver formalização quanto ao regime de bens da união estável, esta rege-se pelo regime da comunhão parcial de bens.

 

Partindo disso e trazendo a disposição para o caso concreto, a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que “a ausência de contrato escrito convivencial não pode ser equiparada à ausência de regime de bens na união estável não formalizada, como se houvesse somente uma lacuna suscetível de ulterior declaração com eficácia retroativa”.

 

Dessa forma, entendeu que, ao lavrar a escritura pública, definindo a separação total de bens como regime de bens da união estável já existente, houve modificação do regime legal (comunhão parcial) que passou a ter eficácia dali em diante. Para que se aplicasse regime diverso do legal desde o início da relação, deveria haver formalização nesse sentido.

 

Entendimento outro conferiria “à união estável disciplina distinta do casamento, para uma circunstância claramente equiparável” como destacou o ministro Moura Ribeiro.

 

Também defendendo a inaplicabilidade de efeito ex tunc à declaração tardia do casal, o ministro Ricardo Villas Boas ressaltou que, se isso ocorresse, haveria violação à segurança jurídica, “tendo em vista a possibilidade de atingir terceiros de boa-fé que celebraram, ao longo de 35 anos, negócios jurídicos com os companheiros, o que é inadmissível”.

 

Em sentido contrário, o relator ministro Marco Aurélio Belizze manifestou-se favorável à retroatividade dos efeitos da escritura pública ao início da união estável, por entender que essa seria a opção feita pelo casal ainda que formalizada muitos anos depois. Isso porque, para ele, “na prática, na grande maioria desses relacionamentos, a formalização desse regime de bens faticamente já vigente entre os companheiros não se dá imediatamente ao início da convivência. Afinal, as relações convivenciais se desenvolvem, no mundo dos fatos, longe dos rigores formais, o que não pode ser utilizado como justificativa para cercear a liberdade e a autonomia dos companheiros para dispor sobre seus bens já nesse momento inicial”.

 

Ressaltou ainda que a lei não indica prazo para a formalização da união, de modo que se o casal decidiu formalizá-la e optou por regime diverso do legal, tendo consignado expressamente que o regime se aplicaria desde o início da convivência, não haveria qualquer vício de consentimento. Destarte, sendo a manifestação de vontade livre e espontânea, inexistiria óbice à concessão de efeitos ex tunc à declaração.

 

Apesar desse voto, a maioria dos ministros da 3ª Turma, votou pela irretroatividade do regime de bens na união estável, entendendo pela validade do novo regime eleito pelas partes a contar da formalização dessa vontade. Com esse entendimento, foi dado provimento ao recurso especial, permitindo que as filhas da companheira entrassem na linha de sucessão no patrimônio construído ao longo da união estável entre a genitora delas e o padrasto.

 

Tratou-se de decisão coerente, pois conferir efeitos ex tunc à escritura pública provocaria um distanciamento entre a união estável e o instituto do casamento, tendo em vista que o regime de bens do matrimônio (§1° do artigo 1.639 do Código Civil) começa a vigorar desde a data de seu início e só pode ser alterado mediante autorização judicial (§2° do artigo 1.639 do Código Civil).

 

Assim, não seria razoável que na união estável a configuração se desse de forma diversa, sob pena de se conferir mais benefícios à união estável do que ao casamento. Aliás, isso nem faria sentido, considerando que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no artigo 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do artigo 1.829 do CC/2002” (STF, REs 878.694 e 646.721, T. Pleno, rel, min. Luís Roberto Barroso, j. 10/5/2017).

 

De fato, a lei já reconhece a validade e eficácia da união estável não formalizada, aplicando-se, nesse caso, o regime comum. Portanto, a formalização posterior do relacionamento com indicação de regime diverso deve funcionar como alteração do regime de bens.

 

Apesar de ser possível defender que a formalização posterior do relacionamento com indicação de regime de bens diverso do comum seria apenas o reconhecimento de uma situação fática, inegável o risco de prejuízo a terceiros e cometimento de fraudes, justamente o que tal decisão acertadamente pretendeu afastar.

 

Iara Ferfoglia G. Dias Vilardi é advogada e sócia do escritório Ferfoglia Dias Advogados.

 

Yara Marujo Ferreira é advogada do escritório Ferfoglia Dias Advogados.

 

Fonte: ConJur

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