RIO – Únicos namorados na vida um do outro, o gerente financeiro Marcel Mira e a administradora Priscila Machado ficaram juntos como casal por 16 anos, até se apaixonarem ao mesmo tempo pela assistente social Regiane Gabarra e decidirem formar um trisal. A vida a dois, inicialmente construída nos moldes tradicionais com duas filhas, deu lugar a um poliamor que rendeu frutos: Regiane, que já tem a guarda de seu irmão (os pais morreram), dará à luz Pierre, e o bebê terá duas mães e um pai.
O dilema da família, agora, é conseguir na Justiça o direito de registrar o filho com os nomes dos três responsáveis. No Brasil, ainda não há leis que contemplem esse tipo de união.
Segundo Priscila, o trisal, morador de São Paulo, conversa com advogados para uma ação de reconhecimento de maternidade socioafetiva. A medida visa comprovar na Justiça que, apesar de não haver um vínculo biológico entre a administradora e o bebê, há um laço emocional.
— O que vai fazê-lo ser meu filho é o dia a dia, mas para a sociedade que não nos reconhece como família, vamos precisar ter no papel que sou uma das responsáveis legais. Eu sei que ele vai me amar como mãe e eu vou amá-lo como filho, mas quero estar presente nas burocracias da escola, do médico — afirma Priscila, acrescentando que a filha caçula, de 9 anos, quer ter o sobrenome de Regiane na certidão de nascimento.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não reconhecem o poliamor como entidade familiar. E, em 2019, o Conselho Nacional de Justiça determinou que o reconhecimento voluntário da paternidade e maternidade socioafetivas deveria ser feito pelos cartórios apenas para registro de filhos com mais de 12 anos. Aos menores, por haver a necessidade de consentimento, é preciso que a autorização do registro seja dada pela Justiça.
Segundo a advogada especialista em direito de família Alessandra Muniz, a revogação dificulta ainda mais a regularização do registro por trisais, que já enfrentavam barreiras institucionais por terem seus relacionamentos reduzidos à promiscuidade. Em casos de tentativa de adoção de crianças e jovens por essas famílias, a aprovação no processo é quase nula.
— Em muitos dos casos há a necessidade de judicialização, em que o juiz vai analisar a relação afetiva da mãe ou do pai com a criança. O processo todo varia de um a dois anos, em média. O afeto está previsto na Constituição, que deve romper o conservadorismo e criar leis que condizem com a realidade da família brasileira — defende.
O bombeiro Douglas Queiroz, a arquiteta Maria Carolina e a comerciante Klayse Marques compartilham da mesma situação. “Grávidos” de cinco meses e meio, o trisal de Londrina (PR) deseja registrar Henrique em conjunto, para que ele aprenda cedo sobre a diversidade do amor.
— A união poliafetiva é um modelo de família legítimo. O Estado tem que se adequar às pessoas, e não as pessoas se adequarem ao Estado. Queremos criar nossos filhos com dignidade — diz Douglas.
Fonte: Jornal Extra