Pedido foi negado em instâncias inferiores por ela ser “integrada”, mas o ministro relator votou pela procedência
Tramita na 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a ação de uma mulher da etnia Puri que pede a substituição de seu nome não indígena pelo nome indígena. Instâncias anteriores negaram a substituição por ela ser uma “indígena integrada”. O ministro Luis Felipe Salomão, relator, votou pela procedência da ação por entender que o direito à expressão de ancestralidade “não pode ser limitado por uma ótica registral que lhes negue o direito de usar o nome que verdadeiramente reflita a cosmovisão conexa à sua autoafirmação”.
A mulher nasceu no município do Rio de Janeiro e foi registrada com um nome não indígena. Seus pais são naturais de São Fidelis, local da Aldeia Uchô Puri. Posteriormente, ela se aproximou da cultura indígena, adotou costumes e tradições e se tornou líder comunitária.
Em 2018, a líder indígena entrou com ação e solicitou a substituição do nome para Opetahra Nhâmarúri Puri Coroado. O juízo de 1ª instância negou o pedido sob a justificativa de que apenas “indígenas não integrados” teriam direito a serem chamados formalmente por nomes indicativos de suas origens. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro entrou com recurso e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) concedeu apenas o direito à inclusão do nome indígena no Registro Civil e não a substituição.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o julgamento da ação começou em junho deste ano e teve voto favorável do ministro Luis Felipe Salomão. Porém, o processo foi interrompido com o pedido de vista do ministro Raul Araújo. O relator observa no voto que “o direito à identidade étnico-cultural das pessoas e dos povos originários está umbilicalmente vinculado ao direito de liberdade de desenvolvimento e expressão da sua ancestralidade, o que não pode ser limitado por uma ótica registral que lhes negue o direito de usar o nome que verdadeiramente reflita a cosmovisão conexa à sua autoafirmação como um ser cujas diferenças devem ser prestigiadas e respeitadas”.
Em entrevista ao JOTA, Pedro Carriello, defensor público do Rio de Janeiro, afirma que a mulher não está pedindo a retificação ou edição do nome, mas sim a substituição. “Retificação dá ideia de erro. Ela quer a substituição completa, em função de uma tradição e origem”, explica.
O defensor ressalta que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto. “Ele não se aplica aos povos indígenas. O STJ e o STF já concederam o direito à alteração de nome para a população LGBTQIA+”, afirma. Ele defende que a autodeterminação dos povos indígenas e a sua autoidentificação permitem a mutabilidade do nome em razão de um pertencimento identitário, sem que seja necessário o equívoco diferencial, no sentido negativo, entre “indígenas integrados” e “indígenas não integrados”.
Carriello afirma ainda que a diferenciação faz parte da ideia do “mito amazônico” de que a população indígena é somente aquela que mora no Amazonas e usa arco e flecha. “É como se a população indígena de outras regiões não tivesse sua identidade aceita. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deveria quebrar essa diferenciação, o que faz uma pessoa ser indígena é sua autoidentificação”, observa.