Entrevista com o juiz auxiliar da 2ª vice-presidência do TJRJ desmembra os objetivos da iniciativa para trazer de volta a dignidade de pessoas presas
Alinhado a diversos objetivos que fazem parte de um conglomerado de ações relacionadas ao desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, o programa Fazendo Justiça atua para a superação de desafios estruturais do sistema penal e do sistema socioeducativo. Entre os desafios estruturais está a identificação civil de pessoas presas, o eixo “cidadania” do programa, cujo tema faz parte da iniciativa da 2ª Vice-Presidência e da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, segundo recomendação do Conselho Nacional de Justiça.
Proporcionalidade penal, Cidadania, Sistemas e Identificação Civil e Socioeducativo são os quatro eixos principais que norteiam os objetivos do Fazendo Justiça, além de um eixo específico para ações transversais e de gestão.
Para comentar sobre a instituição no programa no Rio de Janeiro, que segue este ano em fase de desenvolvimento, a Arpen/RJ – Associação de Registradores Civis de Pessoas Naturais do Rio de Janeiro – entrevistou o juiz auxiliar da 2ª Vice-Presidência do TJRJ, Marcelo Oliveira da Silva, que falou sobre a importância do ato civil da vida humana para sua reintegração na sociedade.
Confira abaixo a entrevista na íntegra:
Arpen/RJ – No estado do Rio de Janeiro existem cerca de 3 mil detentos no sistema carcerário sem registro de identificação civil. De acordo com informações levantadas pelo Tribunal de Justiça nesta temática, quais seriam os principais motivos pelos quais tantos presos chegam sem identificação?
Dr. Marcelo Oliveira da Silva – Efetivamente é esse o número de pessoas sem identificação civil em um universo de 43.000, o que seria correspondente a aproximadamente 7%. Na minha concepção a principal razão é a ausência de um banco de dados nacional de identificação e registro civil. Outro fator determinante é o comportamento do preso, que muitas vezes se identifica com o nome diferente ou informa não deter identificação civil. Saliento que todos têm certificação, ou seja, identificação criminal.
Arpen/RJ – Em que consiste o programa Fazendo Justiça? Quais são as suas principais ações e objetivos que poderão amenizar os efeitos danosos do cárcere, no que diz respeito a reintegração à sociedade?
Dr. Marcelo Oliveira da Silva – O programa Fazendo Justiça atua para a superação de desafios estruturais do sistema penal e do sistema socioeducativo a partir do reconhecimento do estado de coisas inconstitucionais nas prisões brasileiras pelo Supremo Tribunal Federal.
Trata-se da continuidade de parceria iniciada em 2019 entre o Conselho Nacional de Justiça e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com importante apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública e outras colaborações envolvendo o setor público, o setor privado e a sociedade civil. O programa compreende um plano nacional com 28 ações para as diferentes fases do ciclo penal e do ciclo socioeducativo, adaptado à realidade de cada unidade da federação com o protagonismo dos atores locais. As ações reúnem as melhores práticas de diferentes gestões do CNJ e se desdobram em apoio técnico, doação de insumos e articulação institucional.
O Fazendo Justiça é dividido em quatro eixos principais de ação – Proporcionalidade Penal, Cidadania, Sistemas e Identificação Civil e Socioeducativo – além de um eixo específico para ações transversais e de gestão. Não tenho dúvidas que as ações estruturantes coordenadas pelo CNJ e o PNUD juntamente com os tribunais têm o condão de amenizar os efeitos deletérios do cárcere.
Arpen/RJ – Alguns estados já concluíram em 2021 a ação coordenada pelo CNJ, baseada na Resolução 306/2019 cujo objetivo é criar fluxos permanentes com instituições locais e nacionais para a emissão de até 12 tipos de documentos a pessoas privadas de liberdade a partir da confirmação da identidade civil. Pode nos explicar um pouco sobre como funcionará este fluxo no RJ e quais entidades estarão envolvidas?
Dr. Marcelo Oliveira da Silva – O fluxo já está em pleno funcionamento com ações integradas entre o judiciário, Detran/RJ e SEAP. Foram instalados postos avançados do Detran nas portas de entrada do sistema carcerário coletando a biometria de todos aqueles que ingressam no sistema carcerário. Após a coleta da biometria, caso o custodiado não esteja inserido na base de dados do Detran identificado civilmente, seus dados são encaminhados para o setor responsável da CGJ para efetivar o levantamento e se for o caso, providenciar sua identidade civil ou seu registro civil de nascimento tardio.
Arpen/RJ – Quais ações estão previstas e entidades envolvidas para que este fluxo se dê de forma efetiva, no que diz respeito aos aspectos operacionais?
Dr. Marcelo Oliveira da Silva – No que tange aos internos sem identificação civil, o programa da justiça itinerante tem visitado duas unidades por mês para estancar esse déficit, pois, além da biometrização de todos os presos, providencia-se a sua identificação civil.
Arpen/RJ – A ausência de registro civil torna o ser humano invisível e incapaz de praticar os mais importantes atos civis, inclusive de se sentir pertencente à sociedade. Neste caso, fica difícil até mesmo que os egressos possam se reintegrar por meio do trabalho, estudo e dos benefícios sociais oferecidos pelo estado. Na sua opinião, qual a expectativa, do ponto de vista da justiça, em relação à prática de atos civis pelos detentos, a partir da obtenção do registro civil?
Dr. Marcelo Oliveira da Silva – Resgate da condição de humano da pessoa presa pelo estabelecimento de sua cidadania.
Fonte: Assessoria de Comunicação/ Arpen/RJ